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Intolerância à lactose: devemos ou não realizar a exclusão total? | Colunista

Intolerância à lactose: devemos ou não realizar a exclusão total? | Colunista

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As últimas evidências científicas demonstram que as reações adversas aos alimentos (RAAs) são tão prevalentes que acometem diversas populações, representando cerca de 20% da população em países com alto índice de industrialização, se tornando uma demanda crescente que precisa ter uma abordagem precisa e terapêutica. 

Atualmente, existe uma prevalência em torno de 75% de intolerância à lactose (IL) na população mundial, no entanto, essa porcentagem varia de acordo com a etnia, atingindo geralmente pretos e amarelos chegando a 100% em algumas regiões da África; 90% da população sudeste asiática; 70 a 80% da população do sul da Europa e menos de 1% na Dinamarca e menos de 5% do norte da Europa.

Com isso, existe até mesmo uma hipótese na literatura discutindo que a persistência da ação/insuficiência da lactase é conforme adaptação da evolução do homem e ao nível de industrialização do país. 

No Brasil, existe uma incidência (casos novos) de 44,11% de intolerância à lactose, sendo encontrados na maior parte em crianças de zero a dez anos de idade. Além disso, existem cerca de 40 milhões de adultos no Brasil que são acometidos pela intolerância. 

A RAAs compreende os grupos das alergias e as intolerâncias alimentares, na qual, ambas podem resultar em manifestações clínicas gastrointestinais e que afetam negativamente a saúde.

Hoje em dia, para uma alimentação saudável e equilibrada, os carboidratos devem fazer parte do cotidiano e são indispensáveis para vida humana. Existem vários tipos de carboidratos consumidos de acordo com as escolhas, objetivos e estratégias alimentares, entre eles, a lactose (açúcar do leite) tem se destacado ao longo das décadas, sendo considerada um dissacarídeo formado através da glicose e galactose, assim, sua principal fonte alimentar são os laticínios e seus derivados.

Nesse sentido, muitas pessoas desenvolvem ao longo da vida a intolerância à lactose, em que a lactose não pode ser digerida através da ação enzimática da enzima lactase. Essa enzima possibilita a decomposição do açúcar do leite, ou seja, a lactose, em carboidratos simples, para melhor absorção para que exerça sua respectiva função no organismo. 

A partir do momento em que ela não é digerida, ela age no intestino osmoticamente aumentando a água fecal ou é fermentada pelas bactérias intestinais para obtenção de energia e produção de ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), através desse processo, ocorre os sintomas típicos da intolerância à lactose, isto é, gases, dores intestinais, náuseas, cólicas, diarreias, flatulência e borborismo.

A intolerância lactose é uma síndrome causadas por diversas situações, entre elas se destacam: por toxinas liberadas pelas bactérias; farmacológica, ou seja, cafeína, tiramina e aminas vasoativas; metabólicas (erros inatos do metabolismo); idiossincrasias (sulfitos e tartrazina) e por fim, a mais comuns delas, a digestiva (insuficiência na ação e/ou produção da enzima lactase ou frutase). Com isso, as intolerâncias não envolvem mecanismo imunológico, ao contrário das alergias alimentares, que envolvem mecanismos adaptativos imunológicos mediada ou não por IGE.

  • Etiologia da patogênese

Primária: Possui influências genéticas e também ambientais, sendo ambas as mais comuns na população, na qual, é caracterizada quando ocorre uma diminuição gradual da atividade da enzima lactase mediante as diferentes sobrecargas intestinais de lactose ao longo da vida. Geralmente, se desenvolve na adolescência e no início da fase adulta.

Segundaria: A hipolactasia secundária é decorrente de doenças do trata-gastrointestinal que causam atrofia das vilosidades intestinais, tendo como consequência a diminuição da perda da atividade enzimática da lactase causando intolerância temporária, as doenças mais comuns são a doença celíaca, colites, giardíase e doenças inflamatórias intestinais e entre outras. 

Congênita: Deve-se a mutações genéticas durante a fase neonatal no recém-nascido, ou seja, ocorre a codificação da enzima lactase pelo gene MCM6, localizado na região do cromossomo 2q21. Se trata de uma doença rara caracterizada pela ausência total da atividade lactase desenvolvendo-se hipolactasia congênita. A mesma está associada a diarreia que às vezes, pode aparecer complicações metabólicas, entre elas a acidose e hipercalcemia ao consumir leite materno

  • Sintomatologia Clínica

A literatura demonstra que os sintomas ainda são inespecíficos, sendo bastante variável a dependência da quantidade ingerida (sobrecarga) de lactose e a susceptibilidade e/ou sensibilidade do indivíduo a tolerar a lactose. 

Geralmente se manifestam entre 30 minutos a 2 horas após a ingestão de laticínios e produtos lácteos causando distúrbios gastrointestinais, dor abdominal, flatulência, náuseas, vômitos e até mesmo, pode ocorrer constipação em vez de diarreia, como consequência da produção exagerada de metano.

Outro fato interessante é que a fermentação bacteriana da lactose por bactérias intestinais, têm como consequência a produção de hidrogênio, metano, nitrogênio e ácidos graxos de cadeia curta (AGG) que também contribuem para os sintomas e agravamento da intolerância, nesse caso, a dieta também deve ser pensada em alimentos que diminuam ainda mais esses sintomas, não apenas diminuir o consumo de lactose, mas sim, pensar no padrão alimentar como um todo.

  • Diagnóstico

O diagnóstico inicial é realizado com base na história clínica de sinais e sintomas do TGI após ingestão do leite/derivado mediada pela utilização de uma escala visual analógica para classificar a intensidade da diarréia, vômitos, cólicas, ruídos intestinais, flatulência ou gases e testes laboratoriais incluindo: 1) Intolerância oral lactose; 2) teste do hidrogênio expirado e 3) LacTEST. 

O último teste é utilizado a medição indireta da atividade intestinal da lactase através da urina, dividindo um açúcar composto por galactose e xilose.

  • Tratamento Dietético

Afinal, devemos ou não realizar a exclusão total da lactose da dieta? A resposta para essa pergunta seria NÃO, não devemos realizar a exclusão total da lactose. O tratamento da intolerância à lactose consiste em uma redução da lactose até uma quantidade que não seja capaz de desencadear sintomas. Por isso a importância de um diagnóstico preciso e avaliação clínica para determinar o grau de sensibilidade do indivíduo à ingestão de lactose. 

Esta sensibilidade vai variar de indivíduo para indivíduo, visto que, tem pacientes que conseguem tolerar bem 170ml de iogurte natural por conter 8g de lactose ao contrário daqueles que nem consegue consumir 30g de requeijão que tem 1,32g de lactose, além disso, existem outros fatores que determinam uma melhor tolerância, entre eles são a lactose ingerida, o grau de deficiência e a forma de alimento consumido.

Com isso, a exclusão total da lactose da dieta ainda é desnecessária, com exceção em casos de intolerância congênita. Essa explicação se dar por meio que a maioria dos adultos com IL são capazes de tolerar cerca de 12g de lactose sem apresentar sintomas, no entanto, é necessário avaliar individualmente o grau de sensibilidade à lactose.

Deve-se conscientizar o paciente ao consumo laticínios e seus derivados, já que eles têm a opção de suplementação das enzimas que ajudam a conviver melhor com a doença, uma vez que, os lácteos têm grande importância nutricional na dieta, tendo teores significativos de fósforo, potássio, magnésio, cálcio, Vitaminas A, B2, B5 e B12.  Dessa forma, os indivíduos podem ter uma maior propensão a desenvolver deficiências nutricionais, ou seja, osteoporose, hipocalemia, hipofosfatemia, cegueira noturna, anemia megaloblástica, queilose, estomatite e entre outras.

Contudo, com a redução da ingestão dos laticínios e derivados no organismo, o mesmo pode precisar receber outras fontes dos respectivos nutrientes citados anteriores, ou seja, com a ingestão de vegetais, carnes, frutas, hortaliças e peixes, ou seja, precisam ser consumidos vegetais de cor verde-escura, como brócolis, couve, agrião, banana, brócolis, couve, mostrada, além de repolho, nabo e peixes de ossos moles, como o salmão, sardinha, mariscos e camarão, carne vermelha, frango e entre outros.

  • Curiosidades

Os produtos fermentáveis lácteos, entre eles o iogurte e leite fermentado, são bem consumidos sem desencadear sintomas em pacientes com intolerância à lactose, tendo em vista que, isso deve-se pelo fato de possuir probióticos na sua composição, em especial os Streptoccus thermofilus e Lactobacillus Bulgaricus, que são utilizados pela a indústria. Essas bactérias conseguem fermentar a lactose (antes de desencadear os sintomas) para produzir ácido lático e resultar na diminuição de 25 a 50% dos carboidratos.
 

Referências

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