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Psicose pela ótica da psicanálise: como intervir em uma crise psicótica? | Colunista

Psicose pela ótica da psicanálise: como intervir em uma crise psicótica? | Colunista

Antes de expor estratégias utilizadas em um estudo de caso para auxiliar um paciente que está em crise psicótica, o tema exige que eu situe vocês leitores sobre o que de fato é um quadro psicótico ou uma psicose.

Vale destacar que os sintomas basilares de quadros psicóticos são: delírio e alucinação. No entanto, estes sintomas também podem compor outros quadros de patologia. Diante da complexidade deste quadro patológico, sinto a necessidade de retomar o que Sigmund Freud, pai da psicanálise pensou acerca da psicose.

Durante a construção de sua teoria, Freud escreveu sobre três estruturas de personalidade existente: neurose, perversão e psicose. E tomando como norte seus preceitos, define a estrutura psicótica: como aqueles que substituem a realidade pela fantasia calcadas no seu inconsciente, sem total consciência deste processo.

Por isso, quem está em crise/surto psicótico se não por um auxílio especializado ou familiar, dificilmente saberá que está, ao menos não enquanto o surto perdurar, por isso também, de modo genérico as pessoas com quadros psicóticos são levadas ao tratamento psicológico e psiquiátrico diferentemente do neurótico que procura ajuda por demanda espontânea.

Dored e Lustoza (2019) destaca a problemática que Freud suscitou sobre a psicanálise não poder ser recomendada para os pacientes psicóticos, por perceber que no tratamento clínico de pacientes esquizofrênicos (uma das patologias dentro do quadro psicótico) havia uma transferência insuficiente que não era capaz de trazer ganhos terapêuticos, no entanto, além de perceber a insuficiência de sua técnica naquele momento, incumbiu para as próximas gerações psicanalíticas a responsabilidade de elaborar um tratamento efetivo para estes casos.

Avançando na linha do tempo intelectual da psicanálise, chegamos em Melanie Klein, esta é uma das autoras desta próxima geração que se dispôs a elaborar um tratamento para pacientes psicóticos.

Klein faz algumas contribuições na teoria psicanalítica criada por Freud, introduziu-se as posições depressiva e esquizoparanóide, antecipou a fase edípica e a formação do ego, este por sua vez, apesar de ser primitivo, segundo ela, já era capaz de realizar identificação projetiva que é um mecanismo de defesa psíquica fundamental para a constituição da personalidade.

 Importante ressaltar que em relação as posições supracitadas são enfatizadas pela própria autora como períodos normais do desenvolvimento e que atravessa todas as pessoas. Mas, e o que essas novas inovações contribui para lidar com pacientes em crise psicótica? Uma regra importante para melhor intervir sobre um fenômeno é conhece-lo da forma mais profunda possível. Com isso, vamos conhecer um pouco mais sobre estas contribuições kleiniana.

 Segundo Simon (1986) o bebê nasce imerso na posição esquizoparanóide em que as principais características são: a fragmentação do ego; a divisão do objeto externo (a mãe), ou mais particularmente de seu seio, já que este é o primeiro órgão com o qual a criança estabelece contato, divide em seio bom e seio mau – o primeiro é aquele que a gratifica infinitamente enquanto o segundo somente lhe provoca frustração – a agressividade e a realização de ataques sádicos dirigidos à figura materna, através por exemplo, das mordidas durantes as mamadas. 

Com a elaboração e superação desses sentimentos o bebe ingressa na posição depressiva. Esta tem como algumas particularidades: a integração do ego e do objeto externo (mãe/ seio), sentimentos afetivos e defesas relativas à possível perda do objeto em decorrência dos ataques realizados na posição anterior (movimento reparador).

Estas posições continuam presentes ao longo da vida, alternando–se em função do contexto, embora a posição depressiva predomine num desenvolvimento saudável.

É importante apontar que segundo a perspectiva psicanalítica para estes pacientes o próprio ego é o objeto de satisfação, por isso observamos nos casos de modo genérico algumas das seguintes características: auto erotização, resquícios narcisistas, ausência de culpa, este por sua vez, pela não introjeção de limites e leis no seu psiquismo, regressão e comportamentos infantilizados. 

Dito isto, vamos ao que o psicólogo pode fazer durante uma crise psicótica. Segundo Melo (2001) apresenta algumas estratégias utilizadas durante a intervenção na primeira crise psicótica de um caso clínico, retirado de uma dissertação de mestrado, que quando fora encaminhada não havia sintomas psicóticos, para efeitos didáticos segue abaixo em forma de tópicos os procedimentos realizados durante a crise psicótica: 

  • Caminharam com a paciente na área externa do ambulatório para certificá-la de que não estava em um ambiente psiquiátrico;
  • Procuraram reduzir a ansiedade e a confusão estimulando-a a falar sobre o que temia;
  • Estimulou a paciente falar dos seus delírios e alucinações;
  • Procurou-se ouvir o seu discurso em torno de seu delírio para encontrar uma significação;
  • Acompanhou a paciente na consulta do psiquiátrica a fim de garantir a medicação adequada e garantiu a ela a continuidade do atendimento psicológico;
  • Procurou-se assegura-la de que não seria internada se cooperasse com o atendimento;
  • Entrevistou-se a família para orientar quanto a cooperação dos entes queridos no tratamento do paciente, bem como: os horários dos remédios, o carinho, a compreensão e a paciência durante os episódios de crise.

No caso citado acima, ao presenciar e lidar com a crise, os psicólogos perceberam que a internação não era necessária, e este é um ponto interessante ao que é exigido da escuta profissional não só do psicólogo, mas de toda a equipe técnica, pois através desta escuta os profissionais conseguirão identificar a demanda e dar encaminhamentos mais efetivos, tendo em vista que uma internação desnecessária pode acarretar mais malefícios do que benefícios.

O tratamento farmacológico pode ser uma estratégia de mais valia para colocar o sujeito em condições de psicoterapia e de ser ativo no seu tratamento, importante salientar, que utilizar o tratamento farmacológico a fim de suprimir os sintomas psicóticos através da dopagem dificulta a significação necessária para o processo terapêutico e emperra o prognóstico do paciente. 

É necessário também estar atento se esta crise psicótica coloca a vida de alguém em risco, seja a do paciente, da família ou da comunidade, portanto, não há roteiro universal de tratativas sobre como lidar como uma crise, salvo alguns direcionamentos, como:  o acolhimento, a escuta e capacidade técnica de compreender o sintoma presente no episódio do surto através da história de vida do próprio sujeito junto ao paciente.

Outro elemento fundamental é colocar o paciente e a família como agentes ativos no tratamento, uma vez que o sujeito que adoece tem o direito de expressar o que deseja juntamente com a família, esta, por estar presente no cotidiano do paciente, contribui com a implementação do tratamento, auxiliando com a medicação nos horários corretos. 

Como apontei no início, os pacientes psicóticos normalmente são levados aos tratamentos, esses dificilmente aparecerão em uma clínica por espontaneidade, com isso, tais pacientes estão mais alocados nos seguintes dispositivos: centro de atenção psicossocial (CAPS), ambulatórios, serviços residenciais terapêutico (SRT), entre outros dispositivos da rede sistema único de saúde (SUS).

Estes serviços são de grande valia para quem o usa, pois os profissionais destes locais estão configurados em equipes multiprofissionais, que por sua vez, devem atuar de forma propiciatória à participação do paciente e da família no processo terapêutico através de mecanismos como o projeto terapêutico singular (PTS) e a implementação dos princípios e diretrizes promulgada pela política humaniza SUS.

Portanto, além do já exposto, ressalto que o caso que se apresentará em seu campo de atuação é que vai direcionar o que tem que ser feito, a priori, o profissional deve estar munido do que o campo teórico e técnico aponta sobre esse quadro para ter com sua equipe avaliação diagnóstica mais precisa durante a crise, para enfim, intervir com estratégias necessárias e efetivas.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DORED, R. C ; LUSTOZA, R. Z. Uma reflexão sobre a transferência dos psicóticos na teoria freudiana. aSEPHallus, Rio de Janeiro, v.14, n. 28, p. 33-52 2019.

MELO, G. M. G. The Isadora clinical case: psychological intervention at the first psychotic crisis. 2001. 100 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica) – Universidade Católica de Pernambuco, Recife, 2001.

Segal, H. Introdução à obra de Melanie Klein. São Paulo: Nacional. 1966

Simon, R. Introdução à psicanálise – Melanie Klein. São Paulo: Epu. 1986

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