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A psicoterapia com adolescentes e suas nuances | Colunista

A psicoterapia com adolescentes e suas nuances | Colunista

A psicoterapia com adolescentes pressupõe um manejo diferenciado quando comparado à prática clínica com crianças e adultos, sobretudo por compreender, a adolescência, uma etapa do desenvolvimento humano caracterizada por significativas transformações biológicas, psicológicas, cognitivas e sociais.

Trata-se de um período de afirmação da identidade, oposição, diferenciação, desenvolvimento de habilidades intelectuais, ampliação da consciência reflexiva, controle do impulso, questionamento e apropriação de valores, estranheza pelas mudanças que ocorrem no próprio corpo, transformações sexuais, construção da autoimagem, imersão na socialização e convivência com pares, escolha profissional, dentre outros (FERNANDES, 2013).

Esses aspectos, para o psicoterapeuta que atua na clínica com adolescentes, são extremamente importantes para pensar uma oferta de atendimento psicoterápico coerente com as necessidades e especificidades desse público.

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Primeira entrevista: entrando em contato com o cliente (adolescente) 

Diferente da maioria dos adultos, que chega à psicoterapia por iniciativa própria, com os adolescentes, esse movimento geralmente ocorre por indicação ou sugestão dos pais/responsáveis, podendo, também, advir de encaminhamentos feitos pela escola ou outros profissionais e instituições.

Nesse sentido, ao psicoterapeuta cabe, também, durante a primeira entrevista, além de acolher a queixa apresentada pelos pais/responsáveis, escutar o mais interessado no processo – o próprio adolescente.

Como salienta Lott (2017), quando atendemos adolescentes passamos por uma entrevista inicial com os pais/responsáveis que nos falam sobre a queixa e o que os fizeram procurar um processo terapêutico para seu filho, mesmo assim, o adolescente ainda é um desconhecido para nós, razão pela qual se considera importante durante essa primeira entrevista escutá-lo também, sobretudo quanto ao que pensa sobre o fato de estar ali.

Aqui, cabe salientar que, quando falamos em primeira entrevista, não necessariamente estamos nos referindo a um único encontro, mas a um conjunto de sessões que permitirão que o terapeuta e o cliente se conheçam e identifiquem se existe a necessidade de terapia, se ela deve ser feita com aquele profissional e como poderá ser desenvolvida (PINTO, 2015).

Nesse primeiro contato entre terapeuta e cliente também se considera importante esclarecer, para este último, o que compreende a psicoterapia, sobretudo enquanto espaço seguro e de caráter sigiloso, onde ele pode falar sobre qualquer assunto (quando e se achar necessário) sem o receio de ser comparado, julgado.

Essa ação é importante não apenas para explicar para o adolescente os objetivos em si do processo terapêutico, mas principalmente para ajudá-lo a sentir-se mais à vontade e confiante para abordar suas questões e, consequentemente, corroborar para que o terapeuta identifique se a queixa trazida pelos pais/responsáveis, condizem ou não com as reais necessidades daquele cliente.

Além disso, uma vez definida que aquele adolescente de fato necessitará de um acompanhamento terapêutico é preciso deixar claro para os responsáveis e para o próprio adolescente que o cliente, ou seja, o principal ator daquele processo, será ele e não – diretamente – quem o encaminhou à psicoterapia. 

Esse acordo, que irá compor um dos itens do contrato terapêutico, é fundamental para que os envolvidos no processo compreendam que nem todo conteúdo compartilhado nas sessões entre o terapeuta e o cliente poderá ser abordado na sua íntegra com os pais/responsáveis ou profissional/instituição que, porventura, tenha solicitado o encaminhamento do adolescente à terapia.

Com efeito, é fundamental verificar, junto ao cliente e seus pais/responsáveis, se o que foi dito de fato foi compreendido. Em decorrência disso, tal comunicação precisa ser feita, o mais coerente possível com o vocabulário do cliente (PINTO, 2015).

Lott (2017) ainda acrescenta como itens importantes para esse primeiro contato com o cliente (adolescente) garantir que a sala de atendimento esteja arrumada, visando deixá-lo o mais confortável possível; não esquecer de reforçar a questão do sigilo; iniciar a interação da forma mais natural possível; procurar seguir o ritmo do cliente, sem “bombardeá-lo” de perguntas logo no início; dentre outros.

Assim, embora cada profissional faça uso de repertório próprio no momento de condução dessa entrevista inicial e primeiro contato com seu cliente, os aspectos aqui mencionados, podem ser adotados por qualquer terapeuta, pois não se voltam para uma abordagem específica, mas, especialmente, para a importância do acolhimento, cuidado e respeito à singularidade do adolescente em psicoterapia.

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Papel da família na psicoterapia com adolescentes 

Sendo a família, nas suas mais diversas configurações, a principal referência de cuidado para o adolescente que chega à psicoterapia, considera-se que sua participação ao longo do processo é fundamental.

Contudo, “como cada família apresenta sua especificidade, a escolha da modalidade do atendimento deve estar em sintonia com as necessidades e possibilidades de cada contexto” (Fernandes, 2013, p. 36).

Segundo Fischer e Macedo (2018) a clínica com adolescentes é muito complexa, pois nesse período do desenvolvimento humano muitas transformações acontecem, o que também impacta os pais, a família. Há uma gama de emoções e sentimentos permeando a vida na adolescência, provocando muitos questionamentos. Muitas vezes eles não estão preparados para lidar com a nova situação e buscam auxílio profissional. 

Nesse sentido, compreender o funcionamento do sistema familiar é muito importante quando se trabalha realizando atendimentos com adolescentes, pois o processo de diferenciação, de individuação destes podem estar sendo impedidos (FISCHER, MACEDO, 2018).

Logo, o contato com a família é importante inclusive para identificarmos se aquela queixa apresentada pelos pais/responsáveis em torno do adolescente de fato se configura como uma necessidade dele ou se trata de uma demanda da própria configuração familiar como um todo – a qual acaba impactando também na forma de funcionar daquele adolescente. Ou seja, é preciso que o terapeuta esteja atento para identificar de quem afinal é aquela queixa.

Desse modo, o contato com os pais/responsáveis é necessário não apenas para compreendermos melhor os motivos que os fizeram procurar um processo terapêutico para seu filho, mas, também, para coletarmos maiores informações acerca da própria queixa apresentada e sobre a vida daquele adolescente como um todo, incluindo aspectos relacionados ao seu desenvolvimento psicossocial, rotina, histórico de saúde-doença, relação com os pares, padrões de comportamentos, dentre outros.

Um dos recursos bastante utilizado na entrevista inicial com a família é a entrevista de anamnese – um tipo de entrevista que busca informações da vida pregressa do cliente, tentando relacionar à queixa atual (EPP, 2019).

É um modelo de entrevista para levantar informações que irão fundamentar a formulação de hipóteses diagnósticas iniciais, onde o terapeuta tem flexibilidade para adequar questões ou adicionar outras conforme considerar relevante (EPP, 2019).

Segundo Epp (2019), para definir quem vai responder as perguntas dessa entrevista é necessário considerar a idade, a capacidade intelectual e a disponibilidade para colaborar. Assim, se criança, os pais/responsáveis respondem. Se pré-adolescente, os pais e pode ser feita entrevista com o jovem. Se adolescente, os pais e o adolescente respondem.

Outro item importante do qual participam diretamente os pais/responsáveis pelo adolescente em psicoterapia diz respeito ao contrato terapêutico. Trata-se de um recurso utilizado em psicoterapia para firmar, junto aos envolvidos, incluindo o próprio adolescente, questões referentes ao dia, frequência e horário que se darão os atendimentos; honorários do terapeuta; negociação acerca de faltas e férias; questões éticas (sigilo), entre outros.

Nesse sentido, o contrato terapêutico representa “um acordo entre duas [terapeuta e cliente] ou mais pessoas [grupo, casal, família etc.], para execução de alguma coisa [psicoterapia], sob determinadas condições [cláusulas do contrato](D’ACRI, 2009, p. 43).

Para além do exposto, a participação da família se dará enquanto durar a terapia com o adolescente, ocorrendo, porém, de forma sistematizada conforme as demandas que emergirem ao longo do processo terapêutico – as quais poderão sinalizar uma necessidade de ajustes na dinâmica familiar do cliente – necessárias para o alcance de um melhor êxito em torno de seu cuidado.

Relação terapêutica: a importância do vínculo entre terapeuta e cliente

A relação terapêutica é sem dúvida o ponto de partida para a construção do vínculo (terapeuta-cliente) que é necessário para o próprio sentido que representa e sustenta a psicoterapia.

É um espaço que se constrói no encontro com a diferença – onde aquele que se dispõe a cuidar (terapeuta) se abre para acolher, na sua totalidade, aquele que busca e necessita ser cuidado (cliente).

Para tanto, conforme Cardella (2015) é importante que a relação terapêutica se configure em morada, hospitalidade para que o paciente alcance abertura e sustentação na instabilidade e precariedade da condição humana, e restaure ou inaugure a condição de peregrino e caminhante, engajado na incessante obra de vir a ser.

Essa perspectiva, no que tange ao atendimento com adolescentes, é importante para pensarmos o cliente não apenas sob a perspectiva da queixa ou demanda que o levou à psicoterapia, mas como um ser na sua totalidade e em permanente (re)construção de si.

Ou seja, embora seja relevante considerarmos os aspectos da adolescência que o atravessam, não podemos encerrá-lo aí, pois corremos o sério risco de reduzi-lo, não dando a devida importância aos aspectos de sua singularidade.

Nesse sentido, a psicoterapia com adolescentes demanda, do terapeuta, a sensibilidade para acolher o cliente (adolescente), não apenas considerando as importantes mudanças de cunho físico, psicológico, cognitivo e social pelos quais o sujeito atravessa (e é atravessado) durante o período da adolescência, que, por si só, já o colocam em uma condição de muito conflitos; mas, também, valorizando-o como ser singular, com necessidades específicas e um modo próprio de ser-no-mundo.

Daí a importância da construção de um vínculo alicerçado na autenticidade, na validação da diferença, na confiança, na ética, no respeito ao outro e sua condição humana.

Além disso, para o terapeuta que atua na clínica com adolescentes, também é importante mostrar interesse pelo que faz parte da realidade daquele sujeito (filmes, séries, músicas, jogos, esportes, redes sociais, ídolos, etc.), não no sentido de abarcar essa realidade, mas de se aproximar, ao máximo possível, daquilo que configura seu jeito ver e se relacionar com o mundo. Tal compreensão, é fundamental para uma boa vinculação e reconhecimento das necessidades do cliente.

Outro aspecto que vale considerar, na clínica com adolescentes, diz respeito ao uso de recursos terapêuticos, pois o adolescente geralmente interage melhor com o que é concreto. 

Contudo, esses recursos além de serem adequados à linguagem do adolescente, devem ser acionados apenas quando o próprio processo terapêutico fizer emergir sua utilização, seja para facilitar a comunicação e interação com o cliente, seja para ajudá-lo a entrar em contato com experiências mais complexas.

Em síntese, a clínica com adolescentes pressupõe um manejo que acolha a totalidade do cliente (adolescente), buscando não reduzi-lo aos conflitos, mudanças e características recorrentes do período da adolescência; mas sim, valorizando-o como um ser singular que tem necessidades próprias e um jeito único de ser no mundo.

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Referências

CARDELLA, B. H. P. Relação, atitude e dimensão ético do encontro terapêutico na clínica gestáltica. In: FRAZÃO, L. M.; FUKUMITSU, K. O. (Orgs.). A clínica, a relação psicoterapêutica e o manejo em Gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 2015. p. 55-82. 

D’ACRI, G. Reflexões sobre o contrato terapêutico como instrumento de autorregulação do terapeuta. Revista da Abordagem gestáltica, Goiânia, v. 15 n. 1, jun. 2009.

EPP, E. Entrevista de Anamnese. Psico.me, 2019. Disponível em: < https://psico.me/index.php/2019/05/27/entrevista-de-anamnese/>. Acesso em: 12 de set. 2021.

FERNANDES, M. B. A consulta clínica com pais de adolescentes em Gestalt-terapia. In: ZANELLA, R. (Org.). A clínica gestáltica com adolescentes: caminhos clínicos e institucionais. São Paulo: Summus, 2013. p. 31-58.

FISCHER, D.; MACEDO, M. L. W. S. Adolescência e o contexto familiar: reflexões a partir da Gestalt-terapia. Boletim EntreSIS, Santa Cruz do Sul, v. 3, n. 1, p. 67-77, jan./jun. 2018.

LOTT, R. A primeira sessão com o cliente adolescente. Psico.club, 2017. Disponível em: <https://psico.club/conteudo/a_primeira_sessao_com_o_cliente_adolescente/97/11>. Acesso em: 12 de set. 2021.

KARWOWSKI, S.L. Setting e contrato terapêutico. In: FRAZÃO, L. M.; FUKUMITSU, K. O. (Orgs.). A clínica, a relação psicoterapêutica e o manejo em Gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 2015. p. 30-54.

PINTO, E. B. A primeira entrevista. In: FRAZÃO, L. M.; FUKUMITSU, K. O. (Orgs.). A clínica, a relação psicoterapêutica e o manejo em Gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 2015. p. 11-29.

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