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Crush ou cliente? Quando o divã se torna lugar de amor... | Colunista

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E aí pessoal, estão se cuidando nessa quarentena? Não se esqueçam das orientações de biossegurança. E, se for para estudar de forma segura, é só acessar o site da Sanar Saúde.

Hoje, vamos falar sobre um fenômeno não tão raro: a contratransferência. Segundo Laplanche (2001), trata-se do “conjunto de reações inconscientes do analista à pessoa do analisando e, mais particularmente, à transferência deste”. Em outras palavras, é quando o analista responde à transferência do analisando.

Como assim? Bem, para a Psicanálise, uma das condições-chave para que o processo de análise pessoal aconteça é a transferência, isto é, quando o analisando transfere seus afetos pessoais ao que lhe representa o analista. Já a contratransferência, é quando esse analista não entende que se trata apenas de algo que ele representa, e responde esse afeto como se fosse a ele destinado.

No caso de psicólogos, o Código de Ética Profissional é bem claro, quando diz que é vedado “estabelecer com a pessoa atendida, familiar ou terceiro, que tenha vínculo com o atendido, relação que possa interferir negativamente nos objetivos do serviço prestado” (CFP, 2005)

Mas, já que vamos falar de amor, vou pedir ajuda a quem entende do assunto (afinal, quem melhor que pagodeiro para falar de amor?). Por isso, escolhi um pagodinho para acompanhar nossa reflexão. Bora lá? Pega aí o cavaquinho e vem…

“Eu não tenho culpa de estar te amando/ De ficar pensando em você toda hora/ Não entendo por que deixei acontecer/ Isso tudo me apavora…”

Nesse primeiro verso da música do Exaltassamba, o eu-lírico diz que não entende quais as razões de ter deixado esse “amor proibido” aparecer. Falando de contratransferência, existem algumas hipóteses para responder a esse
questionamento.

Para Contardo Calligaris, no seu livro “Cartas a um jovem terapeuta” (2004), são 3 as suposições possíveis para esse sentimento ter aparecido:

  1. Já que o analisando ama o analista (transferência), o analista responde a isso porque pode. Nesses casos, se trata apenas de uma forma de celebrar o poder que tem sobre o analisando.
     
  2. O analista não está ocupando verdadeiramente seu lugar de analista (vazio), mas se apresenta acreditando ser ele mesmo a solução de todos os problemas do analisando. Nesses casos, o analista está precisando buscar sua análise pessoal e supervisão (em especial, se se trata de casos recorrentes, como terapeutas que se casam com diversos pacientes);
     
  3. Pode ser simplesmente manifestações sentimentais verdadeiras e sinceras. Afinal, dois seres humanos podem se encontrar na vida e descobrirem o amor verdadeiro. No entanto, um encontro desses é raro e, se esses episódios se repetem no consultório de um mesmo terapeuta com diversos pacientes, há que se suspeitar.

Mas, vamos continuar a música…

Você não tem culpa se eu estou sofrendo/ Se fantasiei de verde esta história…”

De fato, é preciso destacar que a pessoa do analisando, na maioria das vezes, não tem culpa do que está acontecendo. Por que na maioria das vezes? Assistam “No limite do silêncio” (2001) e verão um caso de contratransferência que foi incitada propositalmente pelo analisando. No entanto, casos nos quais o analisando estimula conscientemente a contratransferência são raros.

O que acontece é a transferência de afetos por parte do analisando para o analista, que se destinam – de fato – a um Outro. Ou seja, no fim das contas, o analista nem é o destino verdadeiro dos afetos, mas sim, o que ele representa. Assim, um analisando demonstra afetos amorosos não necessariamente à pessoa do analista, mas a uma figura importante que, possivelmente, ele signifique para o paciente.

Ainda é importante ressaltar que a transferência é uma das condições fundamentais de análise, pois só nessa relação transferencial que o sujeito do inconsciente poderá se manifestar. Por isso, a transferência não é culpa do paciente. Ao contrário, é o primeiro passo para que a análise ocorra.

No mais, o refrão ainda vai nos trazer mais uma informação sobre esse fenômeno…

Eu me apaixonei pela pessoa errada/ Ninguém sabe o quanto que eu estou sofrendo”

Por fim, ainda vale ressaltar que o apaixonamento do analisando, fruto da transferência, é um equívoco, como ressalta Calligaris (2004). Isso devido ao fato de que, na maioria das vezes, essa paixão se sustenta em uma idealização do paciente para com o terapeuta, como se este fosse de fato capaz de responder a todas as perguntas e angústias do analisando, o que não é verdade. Nesses casos, uma hora a idealização acaba e ambos percebem o sofrimento de ter se apaixonado pela pessoa errada.

Mas, caso o analista acredite piamente que esse sentimento é sincero e verdadeiro, e que o amor do analisando não é para um ideal do analista, mas para o sujeito “palpável”, como na terceira hipótese, então o melhor a se fazer é encaminhar o paciente para outro analista, mudar a música e:

Deixa acontecer naturalmente

Eu não quero ver você chorar

Deixa que o amor encontre a gente

Nosso caso vai eternizar…

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Referências:

CALLIGARIS, Contardo. Cartas a um jovem terapeuta: o que é importante para ter sucesso profissional. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Código de ética profissional do psicólogo. Brasília, 2005.

EXALTASSAMBA. Eu me apaixonei pela pessoa errada.

GRUPO REVELAÇÃO. Deixa acontecer naturalmente.

LAPLANCHE, Jean. Vocabulário da psicanálise. Tradução de Pedro Tamen. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

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